24 de mai. de 2008

3 - UM NOVO OLHAR SOBRE A EVOLUÇÃO HUMANA

Há aqui um outro olhar teórico sobre o processo evolutivo, desenvolvido a partir do que Humberto Maturana (e Jorge Mpodozis) chamaram de “fenótipo ontogênico”.
“O humano surge, na história evolutiva da linhagem hominídea a que pertencemos, ao surgir a linguagem. No âmbito biológico, uma espécie é uma linhagem, ou sistema de linhagens, constituída como tal ao conservar, de maneira transgeracional na história reprodutiva de uma série de organismos, um modo de viver particular. Dado que todo ser vivo existe como um sistema dinâmico em contínua mudança estrutural, o modo de viver que define uma espécie, uma linhagem ou um sistema de linhagens, ocorre como uma configuração dinâmica de relações entre o ser vivo e o meio que se estende em sua ontogenia, desde a concepção até a morte. A tal modo de viver, ou configuração dinâmica de relações ontogênicas entre ser vivo e meio, que, ao conservar-se transgeracionalmente em uma sucessão reprodutiva de organismos, constitui e define a identidade de um sistema de linhagens, Jorge Mpodozis e eu chamamos fenótipo ontogênico. O fenótipo ontogênico não está determinado geneticamente, pois, como modo de viver que se desenvolve na ontogenia ou história individual de cada organismo, é um fenótipo, e, como tal, ocorre nessa história individual, necessariamente, como um presente que é gerado em cada instante em um processo epigenético.
O que a constituição genética de um organismo determina no momento de sua concepção é um âmbito de ontogenias possíveis, das quais sua história de interações com o meio realizará uma, em um processo de epigênesis. Devido a isso, ao constituir-se um sistema de linhagens, o genótipo, ou constituição genética dos organismos que o constituem, fica solto e pode variar, desde que tais variações não interfiram na conservação do fenótipo ontogênico que define o sistema de linhagens. Por isso mesmo, se, em um momento da história reprodutiva que constitui uma linhagem, muda o fenótipo ontogênico que se conserva, dali para frente muda a identidade da linhagem ou surge uma nova linhagem como uma nova forma ou espécie de organismos paralela à anterior.
Nessas circunstâncias, para compreender o que ocorre na história da mudança evolutiva de qualquer classe de organismos, é necessário encontrar o fenótipo ontogênico que nela se conserva e em torno do qual se produzem tais mudanças. Assim, para compreender a história evolutiva que dá origem ao humano, é necessário, primeiro, olhar o modo de vida que, ao conservar-se no sistema de linhagens hominídeo, torna possível a origem da linguagem e, depois, olhar o novo modo de vida que surge com a linguagem, o qual, ao conservar-se, estabelece a linhagem particular a que nós, os seres humanos modernos, pertencemos” (Maturana, 1988b: 103-4).
Desta visão, Maturana vai destacar quatro aspectos:
“a) A origem da linguagem, como um domínio de coordenações condutuais consensuais, exige uma história de encontros recorrentes, baseados na aceitação mútua, suficientemente intensa e prolongada.
b) O que sabemos de nossos ancestrais, que viveram na África há 3,5 milhões de anos, indica que tinham um modo de viver – em pequenos grupos formados por alguns poucos adultos, jovens e crianças – centrado na coleta, no compartilhamento dos alimentos, na colaboração entre machos e fêmeas na criação dos filhos, numa convivência sensual e numa sexualidade de encontro frontal.
c) O modo de vida indicado em b, o qual ainda conservamos no fundamental, oferece tudo o que é exigido: primeiro, para a origem da linguagem; segundo, para que, no surgimento da linguagem, se constitua o conversar como entrecruzamento do linguagear e do emocionar; e, terceiro, para que, com a inclusão do conversar como outro elemento a ser conservado no modo de viver hominídeo, se constitua o fenótipo ontogênico particular que define o sistema de linhagens a que nós, seres humanos modernos, pertencemos.
d) O fato de que os chimpanzés e os gorilas atuais, cujo cérebro tem dimensões comparáveis às de nossos ancestrais, possam ser incorporados na linguagem mediante a convivência com eles [dos humanos com eles!] em AMESLAN (American Sign Language), sugere que o cérebro de nossos ancestrais de 3 milhões de anos atrás deve também ter sido adequado para isso” (Maturana, 1988b: 104-5) (n. i.).
“O que diferencia a linhagem hominídea de outras linhagens de primatas é um modo de vida no qual o compartilhar alimentos – com tudo o que isso implica em termos de proximidade, aceitação mútua e coordenações de ações operadas nos atos de passar coisas de uns para outros – joga um papel central. É o modo de vida hominídeo o que torna possível a linguagem, e é o amor, como a emoção que constitui o espaço de ações nos quais se dá o modo de viver hominídeo, a emoção central na história evolutiva que nos dá origem” (Maturana, 1988b: 105).
Ora, prossegue Maturana, “o modo de viver propriamente humano se constitui, como já disse, quando se agrega o conversar ao modo de viver hominídeo e começa a conservar-se o entrecruzamento do linguagear com o emocionar como parte do fenótipo ontogênico que nos define. Ao surgir o modo de vida propriamente humano, o conversar como ação pertence ao âmbito emocional no qual surge a linguagem como modo de estar nas coordenações de ações que ocorrem na intimidade da convivência sensual e sexual” (Maturana, 1988b: 105). Sinais de que isso é assim aparecem: a) nas imagens táteis que usamos para referirmo-nos ao que sentimos nas vozes da fala: dizemos que uma voz pode ser suave, acariciante ou dura; b) nas mudanças fisiológicas, hormonais, por exemplo, desencadeadas com a fala; e c) no prazer que temos em conversar e em nos movermos no linguagear” (Idem).

3 comentários:

Anônimo disse...

Il semble que vous soyez un expert dans ce domaine, vos remarques sont tres interessantes, merci.

- Daniel

Jorge Ramiro disse...

Um amigo meu me disse que os seres humanos têm uma ligação genética com os cães. Mas eu não acredito nele. O que é verdade é que os cães entendem aos humanos. Para isso é importante o adestramento de cães. Assim, o cão entenda melhor ao proprietário.

anonimo disse...

Homo sapiens y canis familiaris son mamíferos, y todos los mamíferos están emparentados entre sí, luego entonces...